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John Frusciante na Guitar Player Holiday 2022

Em sua entrevista mais reveladora até o momento, o guitarrista do Red Hot Chili Peppers abre o jogo sobre sua admiração por Eddie Van Halen, seu gosto por notas limpas e a importância de permanecer vulnerável.

Por Richard Bienstock
Fotografia por Jonathan Weiner
Tradução por Amanda Colombo

Em Abril de 2022 o Red Hot Chili Peppers lançou Unlimited Love, seu 12º album de estúdio e o primeiro com John Frusciante – indiscutivelmente o guitarrista mais amado pelos fãs – em mais de 15 anos.

Se alguns sentiram que esperaram uma vida inteira por este álbum de retorno, – e é bem provável que os mais novos tenham esperado de fato – eles não precisaram esperar muito mais pelo próximo.

Ao invés disso, aqui estamos após poucos meses e os Chilis – que também inclui o vocalista Anthony Kiedis, o baixista Flea e o baterista Chad Smith – lançaram agora a continuação de Unlimited Love com o mesmo padrão de 17 músicas. O novo álbum foi produzido com gravações feitas durante as mesmas sessões que seu predecessor, no estúdio Shangri-La de Rick Rubin em Malibu, na Califórnia; com Rubin no comando. Na época Frusciante tinha acabado de voltar a banda. Após concretizar seu legado com Mother’s Milk (1989) e o sucesso de Blood Sugar Sex Magik (1991), ele saiu da banda pela primeira vez em 1992, retornando em 1999 para três álbuns aclamados, incluindo o do mesmo ano “Californication”, o qual vendeu mais de 15 milhões de cópias.

Com isso, desta vez, os Chili Peppers entraram no estúdio com muitas ideias e saíram com não apenas um, mas dois novos álbuns – álbuns duplos por sinal. Podemos supor que a volta de Frusciante trouxe bastante criatividade. Ao saírem em turnê para tocar as músicas novas e clássicas, essa renovação continuou.

“Fora um ou dois shows em lugares pequenos, todos esses shows tem sido de uma magnitude que nunca fizemos antes”, diz Frusciante. “Nós tocamos em estádios que geralmente tem capacidade para 40 ou 60 mil pessoas. É muita gente e a energia é intensa. Há tanta alegria sendo transmitida do público que ás vezes é impressionante”.

Apesar disso, o estilo de Frusciante permaneceu um rock sólido, para não dizer maravilhosamente alucinante. Hoje com 52 anos, ele possui o mesmo estilo único – o ritmo elástico e gracioso, os diferentes acordes fluidos e ferozes, os solos intensos com feedback, as improvisações inspiradas e a interação musical quase telepática com Flea e Smith – isso fez dele um herói da guitarra aos 21 anos. Mas tudo parece ser muito intenso e sem limites. Há muito foco e intensidade, e também o que parece ser muita vontade de se soltar e levar seu estilo ao limite. “É lindo quando você sente que alguém está se mostrando, correndo risco e mal aguentando, e isso pode se tornar horrível se não conseguir”, diz Frusciante. “Eu amo a transparência disso”.

Numa longa entrevista com a Guitar Player, Frusciante falou sobre essa transparência, assim como os vários aspectos de seu estilo e prática que o ajudaram a ser o músico que é hoje. Ele também nos guiou pelo Return of the Dream Canteen e a criação de algumas das músicas, e comentou como ele colocar técnica e conhecimento da teoria ao fazer uma conexão emocional com seu instrumento. “Eu acho que a vulnerabilidade é o mais atrativo”, diz ele.

Desde sua volta ao Red Hot Chili Peppers, a banda compôs e gravou cerca de 50 músicas e lançou dois álbuns. É uma quantidade significativa de trabalho em estúdio. Mas você também voltou às turnês com a banda. Como tem sido tocar com Anthony, Flea e Chad novamente?

É uma experiência diferente pelo tamanho dos estádios. Traz muita coisa de dentro de você, principalmente porque eu voltei para a banda com um sentimento generoso. Eu queria muito tocar para as pessoas, sabe? Mas quando gravamos, era mais sobre tocar para os outros caras da banda ou algo que eu tocaria para os meus amigos. Mas quando subo no palco, às vezes chego no microfone e faço contato visual com as pessoas e vejo duas pessoas que estão adorando e muito felizes de estar ali, ou vejo uma criança muito feliz, ou uma garota pulando, ou um grupo pulando em círculos porque estão tão felizes que tocamos alguma música específica que eles gostam. Às vezes nesses momentos, eu começo a chorar. Ou fico engasgado e não consigo cantar e preciso fechar os olhos e encarar o chão e me recompor.

Isso é intenso.

Há muitos momento emocionantes assim. E eu acho que nunca estivemos tão gratos de estarmos juntos. Porque temos todo esse tempo juntos com muitos momentos marcantes tocando. É muito importante para nós. Nos sentimos muito apoiados uns pelos outros.

Uma coisa muito legal desses shows é que você, o Flea e o Chad começam com um improviso. Quando você está tocando para públicos grandes, o objetivo da banda de rock geralmente é subir no palco e já fazer muito barulho. Mas vocês tem um jeito mais aberto e criativo.

Sim. É um bom jeito de se conectar com a energia do lugar. Porque cada público é diferente e cada lugar é diferente, e nós também estamos com um humor diferente a cada noite. Então ao improvisar logo no início, nós nos conectamos com o espírito que tem ali e muitas vezes isso comanda o resto do show. E você sabe que durante o show tem muita espontaneidade. Sempre que há um solo, mesmo que seja uma música que não tocamos muito ou que tocamos todo show, eu me sinto muito criativo. Cada segundo no palco vale.

Return of the Dream Canteen foi feito de músicas gravadas durante as mesmas sessões de Unlimited Love. Quando estavam no estúdio, vocês tinham ideia de quais músicas estariam em cada álbum?

Eu realmente pensei muito sobre isso, mas no final foi conforme a ordem de mix das músicas. Eu tinha minha opinião pessoal de quais músicas fariam um ótimo segundo álbum e quais fariam o primeiro, mas não ao ponto de falar com a banda “Olha, antes de mixar qualquer coisa, vamos decidir agora”. Eu pensei em fazer isso, mas não fiz.Eu acho que o jeito que funcionou foi às vezes o Anthony sugeria uma música, às vezes era eu, às vezes era o Flea. E nós meio que confiamos que o que quer tivesse de ser seria. Não houve nenhuma ideia de qual deveria ser a diferença entre os dois álbuns.
Ainda assim, eu acho que certas músicas deveriam esperar pelo segundo álbum. Como “Eddie”: Eu realmente queria colocar essa no segundo álbum porque eu senti que seria uma favorita. E não queríamos que o primeiro álbum tivesse só as melhores e o segundo com as sobras. Então certas músicas, ainda que alguns queriam misturar, eu disse “Vamos guardar”.

Agora que os dois álbuns foram lançados, você enxerga alguma característica de cada um?

Antes de mixar Unlimited Love e Return of the Dream Canteen, a banda tinha a ideia de que íamos cobrir as bases essenciais com o primeiro álbum e o segundo seria mais excêntrico e aventuroso. Mas em muitos casos nós contradissemos isso guardando algumas para o segundo álbum e incluindo coisas inesperadas no primeiro. Nós decidimos previamente quais seriam as primeiras e últimas músicas dos dois álbuns, mas o resto foi decidido ao longo do caminho.

No fim das contas, eu vejo Return of the Dream Canteen como um álbum mais divertido e acho que vai mais além. Ele é mais colorido e meio “iluminado”. Não que ele não tenha partes melancólicas. Mas para mim, Unlimited Love parece ser mais melancólico. O novo também parece ter mais elementos surpresa. Há um pouco disso no primeiro álbum também, mas principalmente na segunda parte do segundo, há mais sintetizadores e drum machines do que as pessoas esperam de nós. E também é mais espontâneo. Há um certo sentimento de liberdade que diferencia Return of the Dream Canteen de Unlimited Love.

Você mencionou a música Eddie, que é claramente um tributo ao Eddie Van Halen, principalmente nas letras de Anthony. Ainda que a música não reflita o estilo de Van Halen, você incorporou ele nos seus solos – tapping, whammy, phrasing. Qual era a sua intenção?

Quando estamos no estúdio entre gravações, eu estou sempre fazendo coisas como tocar com as duas mãos. Os engenheiros ouvem o tempo todo, eu toco coisas bem chamativas nos intervalos. Mas quando estamos gravando, eu faço o que acho ser certo para a música, e em muitos casos isso não envolve tocar desse jeito. Mas é algo que eu curto.

Mas fazer esse solo foi muito difícil, eu admito. E foi o último solo que fiz de todos os 48 solos que gravamos. Eu guardei para o último porque a ideia de ter uma música sobre Eddie Van Halen é basicamente dizer as pessoas “Pense em Eddie Van Halen”. E quando começar o longo solo de guitarra no final você diz “Agora veja isso!”. E eu não gostei dessa ideia. Eu até pensei em tirar todo o solo porque eu não sabia como ia fazer. Eu tentei por um tempo, mas não estava feliz com o resultado. Ou eu estava indo muito a fundo na direção do Eddie Van Halen, ao ponto de ficar muito complexo e tocar muito two hands e não soar como eu ou eu simplesmente tocava e só se parecia comigo mesmo… numa música sobre o Eddie Van Halen.

Como você encontrou um meio-termo?

Eu desliguei minha mente e parei de pensar nisso. Eu parei de pensar tanto que a música era sobre o Eddie Van Halen e fiz o que era natural. Estávamos gravando e fizemos um intervalo de 15 minutos. E quando eu voltei, eu fiz tudo, como eu disse, de uma vez só. O que quer que tenha do Eddie Van Halen nela está ali pelo meu amor por ele desde que tinha oito anos de idade – coisas como tapping e acentuar notas diferente com o whammy. Ele fazia muito isso. E também há partes no seu estilo que não envolvem tocar rápido, que são bem empolgantes para mim – tocar de forma espontânea ou quando você ouve feedback porque ele gravou na mesma sala dos amplificadores. Até hoje essas coisas me dão arrepio. No sentido de ser algo real o que está acontecendo. Não é apenas um cara de pé na sala. É um cara se propondo a correr riscos. Durante os dois álbuns eu tentei fazer muito disso.

Sobre as marcas do seu estilo, uma coisa que sempre me chamou a atenção é o seu uso do espaço. Você ouve músicas como “Eddie” e “Shoot Me A Smile” no novo álbum, mas também algumas das clássicas como “Scar Tissue” e “Californication”. Outra obviamente seria “Otherside” onde no ritmo você está tocando duas ou três notas. De onde vem essa abordagem?

Na verdade é sobre tentar descobrir o que posso fazer para que Flea e Chad soem tão bem quanto possam. Na época de Mother’s Milk eu estava tentando preencher mais o espaço e soava como muita coisa. Não tanto quanto Flea, mas ele tem um jeito de tocar bastante sem parecer que está tocando bastante. Sempre parece que ele está fazendo o que faz para apoiar a música. Quando gravamos aquele álbum eu senti que não estava apoiando as músicas e os meus colegas de bandas tanto quanto devia.

Isso começou a mudar na sequência com Blood Sugar Sex Magik

Outra coisa foi que o Rick Rubin, quando começou a nos produzir no Blood Sugar Sex Magik, ficou adicionando ideias de arranjos. Do tipo “Não tem guitarra no primeiro verso” ou “Não tem baixo no segundo verso”. Ele veio dessa experiência de hip-hop, então ele estava deixando alguns instrumentos mudos em algumas partes. Isso foi inspirador para mim porque eu já estava indo na direção de tocar menos e ver o quanto isso fazia a banda soar melhor como um todo. Então chegou num ponto em que eu percebi o valor musical do espaço, seja ele a distância entre um ponto e outro da barra de compasso ou a distância entre dois sons, em termos de longos intervalos ou criar um acorde em cima de uma nota na minha guitarra e o Flea tocando uma nota no baixo. Pareceu fazer a banda ficar mais inteira. E sinceramente, eles gostaram quando comecei a tocar assim e me senti apoiado.

Você também inclui intervalos, particularmente longos, de um jeito único.

Eu acho que várias pessoas tocam guitarra de certa forma talvez porque só estão tocando com baixistas que usam notas simples de baixo. Mas pelo Flea tocar de forma tão interessante, eu vejo os intervalos não só como a relação entre duas notas, mas também como a relação entre o que eu e ele estamos fazendo.
Pegue como exemplo a intro de “By The Way” ou os versos de “Otherside”: eu não estou vendo minha guitarra como o centro disso, apenas como parte dele. Estou pensando no pitch da linha de baixo do Flea e da minha guitarra. Se nós dois estamos tocando uma nota, temos um acorde de duas notas e o intervalo é o espaço entre elas. Então você pensa “Como eu posso fazer de um jeito diferente dele?”. Se ele abaixar, eu subo. Então começamos a criar diferentes harmonias onde incluimos acordes sem tocá-los por inteiro, mais ou menos isso. Ou outras coisas como em “Scar Tissue” onde estou fazendo grandes intervalos de duas notas sozinho, mas estou pensando nisso como duas partes separadas.

Soneticamente, o seu uso do espaço é complementado pelo fato de você estar incrivelmente confortável incorporando notas limpas no seu ritmo e trabalho.

Para mim é sobre ser intenso. É mais importante que distorção. A distorção na guitarra soa bem fraca para mim. Mesmo que a pessoa tenha um tom forte, se o jeito dela tocar não for empolgante e intenso, não serve para mim.

O que inspirou sua atração por notas limpas?

Muita da base para o meu estilo de tocar está na música que eu adorava quando era criança e continuo gostando. Há muito do que chamamos hoje de post-funk. Na época era new wave. Mas são caras como o Ricky Wilson do B-52 e Matthew Ashman do Bow Wow Wow. Bandas como The Cure e Scritti Politti e Minutemen. O Pop Group é meio estranho, mas acho que são os pioneiros e a guitarra é muito boa. Todas essas pessoas e bandas fizeram coisas poderosas com notas limpas.

Você ouve o D Boon tocando no Minutemen e entende o que estou falando. Ele entra num solo e é tão limpo quanto consegue. Mas tem mais intensidade que um guitarrista de heavy-metal porque ele se importa, coloca sua alma e emoção nisso. E o Ricky Wilson, o primeiro show que fui num lugar grande, para talvez 5 mil pessoas, foi do B-52’s. Isso foi em 1983. E o jeito dele tocar era incrível. Do tipo de fazer as pessoas felizes. E eu adoro a resposta emocional. Para mim é mais sobre tocar as pessoas do que dizer “Veja o quão grande, forte e macho eu sou”.

Dito isso, você também consegue conjurar uns tons difíceis e afiados quando a música pede. Os acordes que toca no refrão de “Reach Out”, no novo álbum, são um bom exemplo. Ou o solo intenso e com feedback de “The Heavy Wing”, em Unlimited Love. Como você alcançou esses sons?

Muitas vezes é usar mais de um pedal de distorção. Eu geralmente tenho um pedal Boss de distorção – o amarelo [OD-3 OverDrive] ou o laranja [DS-1 Distortion] – e também um Electro-Harmonix Big Muff ou um marrom MXR [ Super Badass Variac Fuzz]. Parece que usei muito eles nos álbuns. Eu não lembro especificamente quais usei onde, mas eu diria que na maior parte do tempo estou combinando diferentes distorções e fuzz.
Então há isso e também os Marshalls bem altos na mesma sala. Porque mesmo quando você não tem feedback, quando você está bem na frente de um amplificador, existe uma forma de feedback que contribui para o som meio estourado. Eu acho que o fato de quase todos os solos distorcidos terem sido feitos comigo na mesma sala do amplificador contribuiu para o som.

Mesmo com todo esse foco em técnica, som e equipamento, o centro do seu estilo é o conteúdo emocional. Como você faz para tocar com o coração e não com a mente?

Deus, essa é uma boa pergunta e difícil de responder. Eu sinto que esse conflito começou em mim entre os 14 e 18 anos e depois disso eu aprendi uma lição. E por sorte minha mente estava amadurecendo enquanto eu aprendia aquela lição. Mas durante esse tempo eu tive vários conflitos.
Mas por fim eu senti que podia tocar qualquer coisa que quisesse aprender, foi um período muito empolgante. Mas também havia aquela pergunta na minha cabeça “O que eu devo dizer?”. Porque eu adorava todas essas pessoas que faziam tipos de músicas diferentes e guitarristas diferentes uns dos outros. E parecia que cada um tinha seu próprio espaço para dizer algo diferente do outro. Mesmo os que eram semelhantes como Randy Rhoads e Eddie Van Halen, para mim eles estavam dizendo coisas completamente diferentes. E quando eu era um adolescente eu pensava nisso “O que eu devo dizer que seja diferente dos outros?”.

Como foi aprender a teoria no meio disso?

Meu entendimento da teoria no meio disso foi uma forma de analisar as coisas que gosto. Então se estou tocando “Something” dos Beatles e há certas notas que [George Harrison] toca e me faz pensar “Uau, o que ele estava pensando na hora? Por que ele foi dessa para aquela outra nota? Por que fica tão bom quando faz isso?” – Eu posso olhar para essas notas em relação aos acordes e intervalos e descobrir. Então para mim o objetivo de saber a teoria é entender o motivo de eu sentir determinada emoção.

É interessante você usar a teoria como forma de abraçar suas emoções. É meio que o oposto de como a maioria das pessoas pensam, que se apoiar na teoria resulta em uma abordagem clínica e fria do instrumento.

Bom, eu acho que na maior parte do tempo as pessoas querem soar confiantes no seu instrumento. Mas para mim, a vulnerabilidade é uma das coisas mais admiráveis de se ouvir em uma música. E eu percebi que estava dando mais de mim quando era vulnerável. Isso se conecta a usar notas limpas, fazer coisas subestimadas, etc. Eu acho que isso é universal. Por mais que admire a auto confiança nas pessoas, todos sabemos que no fundo a vulnerabilidade é uma das coisas mais difíceis de se atingir. E qualquer nível de vulnerabilidade que você se permitir ter com seus amigos, parceiro ou tocando, é uma das melhores coisas que pode fazer.

Eu diria que essa é uma característica comum na maioria dos guitarristas que você citou como influências na sua juventude.

Por mais que eu tivesse esses pensamentos quando era mais novo sobre o que eu devo transmitir para as pessoas com o meu estilo de tocar, eu acho que muito do que eu tenho a dizer tem a ver com vulnerabilidade. Tem a ver com apoiar os outros e se colocar em posições disconfortáveis às vezes. É quando você sente que seu coração está tão para fora que as pessoas podem tropeçar nele, mas você está bem com isso, entende?

O treino de John Frusciante

Sincronize seus dedos e cérebro com os exercícios que John faz antes de cada show.

Todo guitarrista ama tocar. Mas nem todo músico ama praticar. John Frusciante ama as duas coisas.
“Eu amo a guitarra e amo praticar”, diz ele. “Eu faço só para praticar, sempre fiz. Não faço isso para tentar ficar mais ágil ou porque acho que vai me deixar mais esperto nem nada disso”.
Para Frusciante, os benefícios da prática são indiscutivelmente a visão geral. “Deixa minha mente focada de manhã”, diz ele. “E me conecta comigo mesmo – meus dedos com o meu corpo, meu corpo com a minha mente. Muito do que faço são exercícios mentais assim como os físicos.” A única coisa que ele não gosta sobre praticar? Não ter tempo suficiente. “Quando estou em casa, eu faço por prazer. Mas em turnê eu não tenho tempo e parece uma obrigação. Quando estamos tocando eu tento passar o maior tempo possível praticando, todos os dias”.
Frusciante foi bondoso demais ao citar uma lista de exercícios que compõem seu treino diário quando está em turnê com o Red Hot Chili Peppers. Sente-se, relaxe e separe um tempo – duas, quatro… dez horas talvez – para tentar você mesmo. – RB

1. Hit the Scales!

“A primeira coisa que faço é um exercício de escalas onde eu toco quatro notas em cada ordem de permutação, usando os quatro dedos. Funciona assim, onde cada número representa seu primeiro, segundo, terceiro e quarto dedo:
1, 2, 3, 4;
1, 2, 4, 3;
1, 3, 2, 4;
1, 3, 4, 2;
1, 4, 2, 3;
1, 4, 3, 2

Cada um começa com o primeiro dedo. Depois você faz todos que começam com o segundo dedo:
2, 1, 3, 4;
2, 1, 4, 3;
2, 3, 1, 4;
2, 3, 4, 1;
2, 4, 1, 3;
2, 4, 3, 1

Depois você vai para os que começam com o terceiro dedo e sucessivamente. E há muitas variações disso. Você pode dividir: fazer os primeiros dois dedos em uma corda e os outros dois em outra. Pode fazer ao contrário. Pode segurar qualquer acorde e fazer todas as trocas de dedos em cada nota do acorde como um arpeggio. É um exercício muito interessante.
“Além disso, com os exercícios de escala iniciais que faço, não incluo nenhuma acentuação. Isso é algo que peguei do Bill Bruford. Ele tem uma rotina de treino na bateria e diz que começa sem acentuação e gradualmente vai inserindo elas. Eu acho que é uma ótima abordagem.”

2. Divide and conquer

“Depois eu faço escalas sem tocar as notas em ordem. Eu tenho esses jeitos de dividir os pitches em grupos de diferentes números, como sete, cinco ou seis e depois dar esses pulos. Você meio que precisa estar ativo o tempo todo porque está fazendo de formas diferentes, como quatro notas na corda ou três notas, ou duas.
Eu posso falar por horas sobre escalas, fazer várias coisas criativas como acentuar em grupos de cinco, mas tocar em grupos de sete. É sempre divertido. Você pode pegar só quatro notas e tocá-las repetidamente, mas acrescentar acentuação em três e ver o que acontece. Isso criar vários padrões interessantes. De forma que a acentuação tem uma precisão matemática muito reveladora quando se trata de entender a natureza da música.”

3. À la modes

“O que eu acho ser um bom exercício é começar com o que você pensar de um Lá dórico [LÁ – SI – DÓ – RÉ – MI – FÁ# – SOL], começando na quinta traste, mas pense nele como um MI eólico [MI – FÁ# – SOL – LÁ – SI – DÓ – RÉ]. Pense nos Mis nessa posição como sendo o centro, ao invés dos LÁs. E fique na mesma posição, mas vá para MI frígio [MI – FÁ – SOL – LÁ – SI – DÓ – RÉ], e depois MI mixolidio [MI – FÁ# – SOL# – LÁ – SI – DÓ# – RÉ]. De novo, mantenha a mesma posição. Você começa a ver que o modo será aquilo que você quiser. Eu acho que é um bom exercício para a mente. Eu também carrego esse livro do Nicolas Slonimsky, Thesaurus of Scales and Melodic Patterns, na turnê comigo. Eu pego algumas coisas de lá e esses foram adicionados aos meus exercícios.”

4. Play well with others

“Aqui é onde começo. E espero que até o momento de entrar no show, cerca de quatro horas antes de tocar, eu esteja aquecido o suficiente para tocar as músicas de outras pessoas. E depois, em dias de show, eu não estou aprendendo nenhum solo novo ou música nova – estou tocando músicas que conheço, onde tenho auto confiança não vou cometer erros, talvez nenhum. Essa é outra forma me conectar comigo mesmo. Então eu toco solos que conheço e que não são muito difíceis. Se eu estiver me sentindo bem no final, eu talvez toque algo mais ágil como [Ozzy Osbourne] Over the Mountain.
Mas em geral, o que estou tentando fazer é ajustar meus blends e whammy e meu ritmo. Eu tenho algo como 12 instrumentais do Frank Zappa que eu toco conforme a ordem de dificuldade. Não são os mais difíceis, mas são bons porque movem meus dedos de formas não convencionais. Essas são as coisas que eu tocava quando era adolescente, mas eu aprendi logo antes da turnê. Eu toco algumas do Jimi Hendrix, do Jeff Beck, a Sucker de Mott the Hoople, Aqualung de Jethro Tull, covers de Cream como Sitting on Top of the World ou Born Under a Bad Sign são boas de se começar porue tem muito espaço. Você faz bending, vibrato, sliding e todas essas técnicas e descansa a mão enquanto Jack Bruce está cantando. Depois volta e faz o próximo. Isso te aquece mais do que imagina.”

5. Punk it Up

“Entre os projetos principais, eu toco punk, principalmente porque coisas como The Germs ou Ramones são muito bons para o ritmo. As músicas do Ramones são todas down stroke. Eu começo com uma mais devagar como Beat on the Brat e continuo com a maioria das músicas dos primeiros álbuns, as quais vocês precisa tocar muito rápido. Eu tento relaxar me certificar de que os down strokes estão vindo dos pulsos e não dos braços ou ombros. Se eu começo a me sentir travado, eu paro e pulo para algo mais fácil. E os Germs tem bastante upstrokes, mas é rápido então é bom. Dependendo do meu humor no dia, eu posso tocar Bow Wow Wow porque o ritmo do Matthew Ashman é muito bom.”

6. Have a Soak

“Eu também mergulho minhas mãos nessa coisa que é usada para cozinhar carne – uma máquina de sous-vide que aquece água em alta temperatura. Eu ouvi que o Allan Holdsworth não aquecia, ele apenas mergulhava a mão no que ele dizia ser água fervente. Eu tenho certeza de que não era fervente, mas com certeza devia ser bem quente. Mas eu falei isso para o Henry, meu técnico de guitarra, quando estávamos gravando o álbum. Eu queria poder relaxar minhas mãos durantes os intervalos porque você senta ali tocando a mesma coisa repetidamente quando está gravando o básico. Então começamos a usar essa sous-vide. Eu comecei com 45ºC, mas agora eu coloco cerca de 47ºC. Se eu sentir alguma tensão, mergulho minhas mãos e antebraço de 30 segundos a 10 minutos, dependendo do que eu sentir que preciso. Eu faço isso repetidamente nas quatros horas antes de subir no palco, em momentos diferentes do meu aquecimento.”

7. Tap n’ Trill

“Acima de tudo isso, eu faço outra coisa que nem sempre é para quando vou fazer um show, mas é muito bom para mim. Por exemplo, two hands é muito bom para aquecer minha mão esquerda, assim como deixar minha mão direita pronta no caso de querer fazer isso no palco. É algo que se fizer rápido o suficiente, você fica tenso bem fácil. Se isso acontece, eu paro e mergulho minhas mãos em água quente e volto para fazer de novo. É a mesma coisa com trill, eu faço isso entre dois dedos em cada posição que eu imaginar, em qualquer lugar da traste. Eu acho que cinco minutos disso faz muita diferença.”

8. Take your time

“Idealmente eu adoraria tocar 10 horas antes de subir no palco. Mas frequentemente, eu fico feliz se conseguir pelo menos duas horas de aquecimento pela manhã, fazendo os exercícios e talvez depois mais quatro horas no show, o que inclui comer e me vestir. Se ao menos eu tivesse duas horas inteiras para praticar, devido às viagens e etc, eu fico infeliz. Eu não gosto de espremer tudo em um curto período de tempo. Fica parecendo mais uma obrigação desse jeito. Eu gosto que o treino seja algo prazeroso.”

RED-HOT
Guitars

A Guitar Player se junta aos Chili Peppers no show de 9 de Outubro em Austin para uma visita em primeira mão pelas sete guitarras por trás do hits do grupo. O técnico de John Frusciante, Henry Trejo e o antigo técnico Dave Lee fazem os comentários.

Fotografia por Eleanor Jane

1962 Fender Stratocaster

Henry Trejo
Essa Strat teve grande papel nos dois álbuns novos. Foi a principal guitarra do John na base da maioria das músicas, talvez de todas. Sempre que ele fazia solos ou parte mais pesadas ele usava uma guitarra diferente, mas essa é o arroz e feijão de tudo o que você escuta.

Dave Lee
Eu lembro dela aparecer primeiro durante as sessões de Californication. O John tinha acabado de voltar a banda e feito alguns shows antes de começar a gravar. Eu acho que ele não tinha essa guitarra ainda. Eu lembro que ele tinha apenas a Strat 1955, que era a única que ele queria tocar. Depois ele pegou essa e usou muito no álbum. Quando estava pronto para a turnê ela era uma das principais que levamos.


1960 Fender Telecaster Custom

Dave Lee
Essa foi uma que veio do Norman’s Rare Guitars (em Tanzana, California). John tinha decidido que queria uma Tele – eu acho que foi na época de By The Way – e eu fui até o Norm e disse “Ei, o John quer uma Tele”. E ele disse “ O que você acha dessa?”. Eu levei para o John e ele amou. Eu geralmente não gosto do som das Teles, mas essa soava muito bem. Tinha muito potencial.

Henry Trejo
Eu tenho certeza de que é uma guitarra de segunda mão. O John usa duas ou três vezes no show. É a que ele usa sempre no início do set, seja Can’t Stop ou Around The World [Ambas de Californication]. Ele também a usa para The Zephyr Song [de By The Way] e Tell Me Baby [ de Stadium Arcadium].


1955 Fender Stratocaster

David Lee
Essa é a primeira guitarra que o John teve quando voltou para a banda. Ele dizia “ Aqui está a guitarra, o Marshall e o gabinete”. Nós tivemos que montar para ele e começou com a Strat 55.

Henry Trejo
É uma guitarra mais melódica, então ele usa para músicas que não precisam de pontes intensas como Don’t Forget Me [de By The Way] e também músicas novas como Aquatic Mouth Dance, One Way Traffic e incrivelmente, These Are The Ways [todas de Unlimited Love], que são mais pesadas e em drop D. A ’55 é usada para duas ou três músicas e parece que as trastes sumiram e foram substituídas em algum momento.

David Lee
Isso foi culpa do Anthony [Kiedis]. Ela estava no lounge do Cello Studios [hoje EastWest Studios em L.A.] e ele acidentalmente quebrou.


1958 Gretsch White Falcon

Henry Trejo
O John tinha uma ’55 White Falcon e eu acredito que era emprestada do [ator e músico] Vincent Gallo. Foi o Dave quem encontrou a ’58 que ele usa hoje. No set atual ele a usa para duas músicas: “Otherside” e “Californication” [ambas de Californication].

David Lee
Eu consegui essa guitarra numa parada de caminhão durante a época de By The Way. Não estou brincando. Eu tinha que encontrar um cara lá porque era no meio do caminho. Eu lembro de pegar o dinheiro e ir até uma parada Flying Jay em Gorman, Califórnia. E eu me senti tão estranho parado ali com tantos dólares. O cara apareceu e queria 20 mil dólares por ela. E eu olhei a guitarra e disse “Olha, ela passou por algum reparo”, e ele diz “Me deixe fazer uma ligação”. Ele volta e diz “Ok, aceitamos 7 mil”. Isso é muita diferença!


1940 Martin 00-15

David Lee
John tem duas dela. Uma veio do Rick Rubin, acredito que durante Californication, e soava tão bem que o John disse “Sim, vamos comprar outra”. Assim como a Tele Custom, essa veio do Norman’s Rare Guitars. O Norm geralmente recebe pessoas procurando por coisas arcaicas, mas eu disse “Não, nós queremos essa”. Nós instalamos um pickup Trance Audio Amulet nela.

Henry Trejo
As duas Martins são basicamente substituíveis. Durante a gravação dos dois álbuns novos, nós tinhamos uma no live room e outra onde John estava para praticar e compor nela. Depois ele vinha no estúdio e pegava a outra. Nunca usamos o pickup durante a gravação. Apenas ajustamos os microfones e ele tocava acústico. É a guitarra que você ouve em Tangelo [de Unlimited Love].

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