Flea fala sobre o significado de Deus, o pior álbum da banda e o vício que ele mais sente falta

“Ei, venha ver meu filho!” diz Flea entusiasmado, segurando seu iPhone enquanto fica ao lado de sua motocicleta no estacionamento do Conservatório de Música de Silverlake . Vestido com shorts de basquete e chapéu vermelho, o baixista de 60 anos do Red Hot Chili Peppers está no FaceTiming com sua esposa, a designer de streetwear Melody Ehsani, enquanto ela troca seu filho pequeno, Darius, em casa em Malibu.

Flea, que tem duas filhas mais velhas (uma de 34 e outra de 17), admite que meio que se esqueceu de como pode ser cansativo cuidar de um bebê. “Esta manhã foi cedo”, diz ele rindo. “Mas é inacreditável. Ele dorme conosco, e todas as noites eu vou para a cama e sinto o cheiro de sua cabecinha macia.”

Darius não é o único que exige a atenção de Flea no momento. No ano passado, os Chili Peppers lançaram dois novos álbuns de estúdio, “Unlimited Love” e “Return of the Dream Canteen” – o primeiro da veterana banda de Los Angeles em mais de uma década com o guitarrista John Frusciante. Agora o grupo, que também inclui o vocalista Anthony Kiedis e o baterista Chad Smith, está em turnê por estádios e sendo a atração principal de festivais, incluindo o Lollapalooza de agosto. Quando Flea chega em casa no meio da turnê, ele está estudando trompete jazz com o pai de Kamasi Washington, Rickey.

Ele também tem um podcast: “ This Little Light ”, no qual entrevista artistas como Patti Smith , Earl Sweatshirt, Rick Rubin, Stewart Copeland e Margo Price sobre suas experiências aprendendo a amar e tocar música; Toda a receita do show, que Flea produziu em parceria com Parallel e Audacy’s Cadence13, beneficia a organização sem fins lucrativos Silverlake Conservatory, que Flea fundou em 2001 para fornecer o tipo de educação musical que ele achava que não estava mais sendo oferecido nas escolas públicas de Los Angeles. O final do podcast, que apresenta Kiedis falando sobre sua improvável jornada como vocalista, será lançado na quinta-feira.

Saindo do estacionamento para uma sala arejada, Flea pede um momento antes de nos sentarmos para conversar. “Vou fazer meu pequeno ritual”, diz ele. Então ele inclina a cabeça em silêncio por cerca de 20 segundos.

Isso é uma coisa diária para você?
Sim, sou um cara que ora. Rezo de manhã quando me levanto, quando vou para a cama, quando como. E quando eu faço uma entrevista, paro por um segundo – tipo, deixa eu sair do caminho e deixar tudo de lado.

Para quem você está orando?
Para Deus. Não sou religioso de forma alguma, mas meio que acredito em Deus. E tento viver uma vida que honre a minha ideia do que é Deus – como uma energia divina.

Você fala sobre isso com Patti Smith em seu podcast – a ideia de encontrar Deus na música.
Para mim, a música é a voz de Deus. Cresci virulentamente antirreligioso e chegou um momento, no início dos anos 90, por volta dos 30 anos, em que fiquei muito doente, com fadiga crônica. Eu era um louco por drogas – festejava a noite toda, jogava basquete o dia todo. Eu apenas pensei que era o Super-Homem. E de repente foi como se toda a energia tivesse sido sugada do meu corpo. Eu estava tipo, não posso sair em turnê, me sinto muito mal. E fui afastado dos meus amigos porque não estava em festas.

Então eu li este livro de autoajuda de um cara, Jon Kabat-Zinn, onde ele fala sobre como, se você eliminar todos os seus pensamentos e ações – sua dor, seu prazer, suas memórias, suas esperanças – o que resta? E isso realmente me impressionou porque eu estava muito envolvido com o exterior. Comecei a pensar naquele vazio e, naquele momento, Deus fez todo o sentido. Quer dizer, como eu disse, ainda não fui religioso. E eu tentei – estive em igrejas.

Por que você se sentiu obrigado a tentar?
Achei que poderia haver um senso de comunidade. Nos anos 80 eu frequentava igrejas no sul de Los Angeles como ateu. Eu tinha um amigo que sabia por onde passavam os melhores grupos gospel, então eu iria e seria incrível. Achei o punk rock intenso. Os punk rockers são um bando de p- comparados a uma igreja onde as pessoas falam em línguas e se jogam no chão.

Como a paternidade moldou o que você faz aqui no conservatório?
É mais ou menos a mesma coisa – apenas querer que as crianças cresçam e sejam veículos para deixar sua luz brilhar.

A educação musical parece especialmente importante numa época definida pelas telas?
Acho que sempre foi importante. Mas, sim, me preocupo com as telas. É por isso que só dei um telefone à minha filha do meio quando ela tinha 15 anos. As crianças não têm tempo para simplesmente não fazer nada – deitar na grama e olhar para o céu, para o infinito. Isso parece realmente vital.

Você tenta orientar o gosto musical de seus filhos?
Eu tento expô-los a coisas. Meu bebezinho está ouvindo muito Ornette Coleman e Stravinsky. 
F— “Maria tinha um cordeirinho.” [risos] Estamos ouvindo Sonny Rollins.

O que o podcast lhe ensinou sobre entrevistar pessoas?
A grande lição que aprendi antes de entrevistar alguém, só por ter sido entrevistado 10 milhões de vezes, é que não há nada pior do que ser entrevistado por alguém com uma agenda. Você pode sentir isso imediatamente. Ou alguém com apenas uma lista de perguntas. “Qual é a sua cor favorita?” “Gosto de azul porque me lembra ovos.” A próxima pergunta é: “Você gosta de ovos?” “Eu acabei de dizer que sim!”

Qual a sua entrevista favorita que você fez?
Um realmente bom foi com Anthony. Nós dois estávamos chorando porque eu nunca tinha conversado com ele sobre coisas assim. Anthony realmente não se considera um músico ou que teve qualquer formação musical. Ele costumava dizer que deveríamos mudar o nome da banda para Idiot and the Three Geniuses. E as pessoas ficariam deprimidas com ele, sabe? Eddie Vedder está lá como Pavarotti, mas a ressonância é diferente com Anthony.

Você acha que ele é um bom cantor?
Eu acho que ele é um ótimo cantor. E ele está sempre aprendendo e melhorando. Quando começamos a banda, ele não conseguia cantar uma nota – ele apenas gritava. Agora ele tem melodias e nem se apega a elas. Ele flui e improvisa. Olha, eu sei quem são os grandes cantores: Kurt Cobain, Jim Morrison, Roger Daltrey. Mas para mim, tudo que me importa com qualquer músico é que a pessoa soe como ela mesma. E ninguém se parece com Anthony Kiedis.

Antes de começar esta turnê atual do Chili Peppers, você disse que não sabia como John Frusciante se sairia na estrada. Como ele está?
Muito bom. Cada show é como uma coisa sagrada para ele. No verdadeiro estilo John, ele pratica cinco horas antes de cada show – “Blow by Blow” de Jeff Beck, tocando cada solo, aquecendo os dedos.

Um estádio de futebol é um bom lugar para o rock ‘n’ roll?
Você quer a resposta da estrela do rock? “Ah, cara, eu realmente sinto falta de ver o rosto das pessoas em um pequeno clube.” Eu não dou a mínima para isso. Toquei em todas as casas de show da Terra e vi suas caras desagradáveis. [risos] Adoro tocar em estádios. A gente vai lá e está lotado, é uma sensação muito alegre.

O som pode deixar a desejar.
Nunca fui ver um show em um estádio.

Nem mesmo os Stones ou alguém assim?
Certa vez, abrimos para os Stones no Rose Bowl [em 1994]. Eu fiz uma cirurgia de sinusite e tive sangue escorrendo pelo nariz durante o show. Tudo que lembro é que Jack Nicholson estava lá e eu queria conversar com ele sobre o Lakers.

Com quais Lakers você fez amizade ao longo dos anos?
Eu não tenho, realmente. Steve Nash um pouco. Minha esposa é amiga de jogadores de basquete e fico pensando que por procuração chegarei lá. Não sou a pessoa mais social do mundo.

Certamente, LeBron ou Anthony Davis vão te surpreender quando você estiver na quadra.
Eu fui maluco. Mas minha esposa é quem eles realmente gostam. Eu sou como a peça lateral.

Os shows desta turnê são bem espaçados. Isso é necessário do ponto de vista corporal?
Isso ajuda muito do ponto de vista corporal. Certamente somos mais velhos.

Você está cansado no final da noite?
Sempre passei o fim da noite. Sempre me esforcei ao máximo, a ponto de me machucar, como dizia nos anos 90, quando não conseguia me levantar. Fumar crack não ajudou. Mas os dias de folga são muito bons. Posso ir ao museu, ver os Duchamps. E sou um grande praticante de exercícios: ioga, meditação, corrida.

Você ouve música enquanto corre?
Nunca. Adoro o som dos meus pés no chão e os meus pensamentos se desenrolando. Eu não quero mais nada. Ouvir música é um momento sagrado para mim. Às vezes ouço enquanto jogo xadrez e percebo que não estou realmente ouvindo. Cannonball Adderley fez algo incrível e estou pensando onde colocar minha torre.

Xadrez, né? Já sentiu falta dos dias de excesso dionisíaco?
Eu sinto que entendi muito bem. Eu estava conversando com meu filho esta manhã – às vezes eu apenas conto coisas para ele – como: “Sabe, Darius, não sinto falta de usar drogas, mas, para ser sincero, sinto muita falta de fumar. Ainda bem que parei, mas adoraria ter um bom e gordo Marlboro agora.”

Quando você tinha 20 anos, que tipo de vida você imaginava para si mesmo nessa idade?
Não sei se projetei tanto no futuro. Eu trabalhava como entregador em uma loja de bebidas quando tinha acabado de terminar o ensino médio: Park Plaza Liquor na 3rd Street com Martel. E eu me lembro que tinha uma velha que chegou – pelo menos no final dos anos 80, mas ainda andando por aí, sempre com um sorriso, luzes acesas em seus olhos. Ela era linda para mim porque tinha amor dentro de si. Ela não estava queimada de ressentimento, raiva e ódio. Lembro-me de ver isso e pensar: Cara, se você envelhecer e ficar assim, você está bem.

Willie Nelson recentemente tocou no Hollywood Bowl em seu aniversário de 90 anos e parecia estar se divertindo.
Willie é tão divertido. Quando está em casa, ele acorda todas as manhãs andando de bicicleta, fazendo treino de boxe, jogando cartas e fumando maconha com os amigos o dia todo. Não quero me gabar, mas estive naquele círculo em Maui – ele está se divertindo muito.

Parece absurdo perguntar se os Chili Peppers ainda vão tocar quando vocês tiverem 90 anos. Mas teria parecido absurdo há 30 anos perguntar a mesma coisa sobre quando vocês tinham 60 anos. Não sei o que é absurdo
. Eu sei que todos nós nos preocupamos profundamente com a música e todos queremos crescer e ser melhores. Ainda estamos consumidos por isso, assim como quando começamos a banda.

Qual é o melhor álbum dos Chili Peppers?
Eu diria “ Blood Sugar Sex Magik ”, mas há algumas músicas lá que eu não acho que deveriam ter tocado em retrospecto. “The Greeting Song” não foi boa o suficiente. “Californication” é muito bom de cima a baixo. Eu vi Adele há pouco e ela me disse que aquele era seu disco favorito de todos os tempos. Isso significou muito para mim porque sou um grande fã de Adele.

E o pior?
Sempre me arrependo da maneira como fizemos o primeiro. Eu acho que as músicas são muito boas. Nossa banda estava fumando naquela época. Mas o [baterista] Jack [Irons] e o [guitarrista] Hillel [Slovak] saíram e contratamos outros dois caras: Jack Sherman e Cliff Martinez. Ambos eram ótimos músicos, mas a conexão não era tão profunda como tínhamos com os caras com quem começamos. Muitas vezes tive vontade de voltar e regravar aquele álbum, mas nunca consigo convencer ninguém a fazer isso.

Fonte:
https://www.latimes.com/entertainment-arts/music/story/2023-06-26/red-hot-chili-peppers-flea-podcast-this-little-light-silverlake-conservatory-of-music

LA Times
Mikael Wood é crítico de música pop do Los Angeles Times.