Entrevista de Anthony Kiedis com a revista alemã Stern
Em entrevista divulgada em 18 de Junho pela revista alemã Stern, Anthony Kiedis falou sobre seu amadurecimento, sobre como odiou a Alemanha por algum tempo, sobre drogas, sua família e Heidi Klum.
Anthony Kiedis está em uma varanda numa mansão em Malibu. Do mar vem uma brisa. Kiedis tem sua jaqueta preta fechada até o pescoço. Ele está bronzeado, mas suas bochechas parecem fundas. Há pouco menos de uma semana o frontman dos Red Hot Chili Peppers teve que cancelar um concerto em Irvine, Califórnia, de última hora. Os fãs já esperavam a banda, quando o baixista Michael Balzary, apelidado de Flea, subiu ao palco para explicar que Kiedis estava a caminho do hospital. A mídia divulgou depois: dor de estômago violenta. Após a morte de Prince e David Bowie neste ano, o pânico foi grande. Teria mais um grande do rock com um passado de drogas não tão inofensivo sido pego?
“Não se preocupem”, disse Kiedis. “Bowie ainda vai ter que esperar até que eu possa visitá-lo. Mas eu tive cólicas infernais. Fiquei branco como um fantasma e mal podia me mexer. Meu corpo parou de funcionar abaixo do estômago.“ As dores foram sequelas de uma operação na qual haviam removido sua vesícula biliar. “Eu não havia mais tomado os remédios. No hospital eles colocaram tubos no meu nariz e removeram do meu corpo tudo o que não pertencia a ele. Desde então não comi mais nada sensível.”
Kiedis agora tinge os cabelos
Kiedis beberica de uma xícara de chá. Abaixo dele rolam poderosas ondas na praia. “Dia bom pra surfar”, diz ele. Sua própria mansão está à vista pouco mais ao sul. Esta aqui, de um bilionário de Las Vegas, foi alugada por uma quantia de cinco dígitos por sua gravadora para a apresentação do novo álbum dos Chili Peppers. “The Getaway” estará à venda no dia 17 de Junho. Melódicas linhas de baixo pontuam o som. O primeiro single “Dark Necessities” subiu rapidamente nas paradas.
Ele fará 54 este ano. Seu corpo é malhado, seus cabelos e até mesmo seu belo bigode são tingidos. No seu nicho os homens têm que desafiar a idade. Nos concertos ele ainda se apresenta com o torso nu. Kiedis sabe que muitos pensam que um músico de rock deveria se aposentar aos 40 anos. Ele acha “legítimo” que as pessoas pensem desse jeito. ”Em relação a algumas bandas, eu mesmo fico feliz quando estão acabando. Os Eagles chegou um momento que eu não aguentava mais ouvir. Mas alguns músicos têm uma fase criativa mais longa. Uma benção que David Bowie não tenha se aposentado. Nós ainda temos energia e somos curiosos. Não há razão para parar.”
Os Red Hot Chili Peppers não querem ser comerciais
Eles continuam com seu estilo de funk, rock, rap e pop. E com as baladas, naturalmente. No entanto, Kiedis nunca cederia uma música uma música para shows de talentos como “The Voice”. “Tornaria nossa música algo barato. Nós não escrevemos essas músicas para que amadores num concurso as cantassem. Quando um músico de rua toca nossa música, ouço com prazer. Mas não quando se trata de algo comercial. Fico enojado quando minhas músicas favoritas são utilizadas para propaganda.”
Abaixo, no jardim, Flea brinca com seu husky mestiço. Ele quase tropeça no degrau para o terraço. “Desculpa, não prestei atenção”, grita ele e ri. Ele tem cabelo curto e grisalho e é tão pequeno e delicado quanto Kiedis. Os dois são inseparáveis. “Quase como um casal”, brincam amigos. Recentemente, eles decidiram fazer “tatuagens de amizade de David Bowie” iguais. Ambos se presentearam com carros elétricos da Tesla. Às vezes eles se caçam como crianças e brincam de “dia do banheiro”: quem for pego deve se ajoelhar e fazer gargarejos como uma descarga de banheiro. Os dois sem conhecem desde os tempos de ensino médio na escola secundária Fairfax em Los Angeles. O padrasto de Flea era um baixista de Jazz; o pai de Anthony, John Kiedis, era um ator sem sucesso, playboy e pequeno traficante, que fornecia drogas a grandes do rock como o Led Zeppelin. Anthony e Flea fundaram os Red Hot Chili Peppers porque achavam que assim atrairiam mais (e melhor) mulheres.
Anthony Kiedis teve casos com Cher, Demi Moore e Heidi Klum
Em 2005, aos 42 anos, Kiedis lançou sua autobiografia, uma confissão íntima sobre sexo e drogas. Ele conta nela como seu pai lhe deu seu primeiro baseado e logo fornecia drogas também aos Chili Peppers. Ele empacotava a cocaína em azulejos mexicanos em pequenas porções. Em 1988 morreu o primeiro guitarrista da banda (Hillel Slovak) devido a uma overdose de heroína. Após o choque, Kiedis se afundou ainda mais. Fez sexo pela primeira vez aos doze anos – com a namorada de seu pai. Ele havia instigado a menina a fazê-lo: para que seu filho se tornasse logo um homem. Kiedis se tornou um mulherengo, incapaz de manter um relacionamento. Houveram anos em que ele dormiu com mais de 100 parceiras. “Quando eu via uma menina bonita, eu queria tê-la”, diz ele. Uma vez ele ficou preso durante 60 dias por assédio sexual, denunciado por uma estudante. Ele teve casos com Cher, Demi Moore, Mel C das Spice Girls. Também com Nina Hagen e Heidi Klum.
Há oito anos o próprio Kiedis é pai. “É a primeira vez que tenho na minha vida alguém mais importante do que eu mesmo”, disse ele. Seu filho Everly é fruto de seu relacionamento com a modelo Heather Christie, mas ele cria o menino sozinho. “Eu quero que ele se sinta protegido. Algo que não tive na minha infância. Ele terá mais tempo para crescer do que eu, antes de se tornar um adulto.” E o que acontece, quando ele fumar seu primeiro baseado? “Então ele com certeza não terá ganhado de seu pai. Apesar disso eu acredito que fumar maconha é uma experiência que todo adolescente tem. Algo positivo, porque expande a consciência. Cocaína é outro caso. Se houver algo de bom em relação aos efeitos da cocaína, é ofuscado pela dor e loucura. Disso eu gostaria de poupar meu filho. Mas quando ele realmente quiser ter uma experiência, não há muito que eu possa fazer.”
“Hoje existem apenas tipos que querem ser rockstars. Isso é ridículo”
Quando perguntado se seu filho já entende que o pai é um rockstar, ele balança a cabeça energicamente. “Eu sou músico. Deixei isso claro para meu filho. Rockstars existiam nos anos setenta. Hoje em dia só existem tipos que buscam ser rockstars. Eles são ridículos.” E sobre seu passado selvagem? Ele vai contar sobre isso a seu filho? “Nenhum filho no mundo quer ouvir sobre as histórias sexuais de seus pais.” E se ele um dia for tão louco quanto seu pai e subir num palco apenas com uma meia cobrindo suas partes íntimas? Kiedis ri. “Colocar uma meia no pênis é totalmente aceitável.”
Anthony Kiedis se senta sobre uma grande cadeira de vime, mas não fica relaxado, se inclina educadamente em direção a seu interlocutor. Suas mãos descansam tranquilamente em seu colo, apenas às vezes ele pega a xícara de chá. Ele diz que ainda hoje se pergunta se foi uma boa ideia lançar uma autobiografia. Porque o que originalmente deveria ser a história engraçada de um menino de West Hollywood se tornou uma acusação, especialmente contra seu pai. “Pedi a todos na minha família para não lerem o livro. Disse que era muito doloroso.” Todos atenderam ao pedido? “Minha mãe certamente. Meu pai, não tenho certeza.” Eles ainda se dão bem? “Ah sim, eu amo meu pai. Tenho a agradecer a ele por um monte de diversão que tive. E ele não é culpado por todas as minhas falhas.”
Tudo ou nada
Kiedis tem várias passagens pela reabilitação de drogas, ia regularmente aos Alcoólicos Anônimos. Ele está sóbrio há mais de 15 anos. Nenhuma droga, nenhum cigarro, “nem mesmo uma cerveja”, diz ele. Viveu como vegetariano por bastante tempo, até que seu médico o desencorajou disso. ”Desde então voltei a comer carne, mas apenas de animais herbívoros, que vivem na natureza. Preferencialmente búfalo ou cabra.” Sempre que possível, ele rema com sua prancha de surfe pelo oceano Pacífico e espera pela onda perfeita. “Quando é temporada de furacões no México, nós temos os melhores swells. Então a costa ferve. Foi bom ter começado com o surfe tão tarde, de outro modo eu não teria dado valor.” Kiedis vive sua vida saudável ao extremo: “Tudo ou nada. Funciono melhor desse jeito.”.
Esse ano os Chili Peppers tocaram em um concerto beneficente em Los Angeles pelo candidato democrata Bernie Sanders que luta contra o controle dos super ricos nos Estados Unidos e que é a favor de um estado social aplicado nos moldes europeus. “Ele é o único político que não pensa apenas em si mesmo”, diz Kiedis. “Sobre como ele pode ficar ainda mais rico e mais poderoso. Eu não concordo em todos os pontos com ele. Mas ele é honesto, e por isso nós apoiamos sua campanha.” O que ele diria a Donald Trump, se ele pedisse para usar uma música dos Peppers para uma propaganda política? “Ele é um tirano nojento de um mundo fascista. Ele propaga ódio. Ele não representa nada do que defendemos.”
“Eu odiava a Alemanha”
Já que estamos falando de política, ele legalizaria as drogas? Kiedis pensa por um tempo. “Todos os estados que permitiram a maconha parecem ter se beneficiado. Tomemos o Colorado como exemplo, lá não houve aumento de criminalidade nem de acidentes de trânsito. Por causa disso [da legalização], eles têm receitas fiscais que investem na educação. Não penso que drogas sejam o problema, e sim o jeito que as pessoas abusam delas. Se drogas mais pesadas como a cocaína devem ser liberadas, é mais complicado, naturalmente. Se isso leva a menos criminalidade e tira o poder das mãos dos cartéis de drogas, é algo a ser pensado.”
Sua xícara de chá está quase vazia, agora ele fala um pouco sobre a Alemanha. Ele disse uma vez: “Eu odiava a Alemanha. Mas com o tempo aprendi a amar sua cultura e seu povo.” Qual era o problema? “Quando jovem você precisa de algo contra o que se rebelar. O meu “algo” era a Alemanha. Provavelmente porque isso era tão fácil. A Alemanha significava severidade e falta de humor para mim naquela época. Essa era naturalmente a interpretação limitada de um adolescente. Quanto mais eu viajava para lá, mas eu amava o país.”
“Nunca entendi as mulheres de verdade”
Sua experiência alemã definitiva foi um feriado de natal na casa da família Klum, em 2002. À época ele namorava Heidi, de então 29 anos. Ela havia se separado de seu então marido, o cabelereiro Ric, por causa dele. “Heidi e o roqueiro selvagem”, “Heidi agora beija mais picante”, eram as manchetes. Foi Heidi Klum quem mudou a imagem da Alemanha para ele? “Não, isso quem fez foi Nina Hagen. Ficamos juntos no início dos anos 80. Ela me mostrou que havia uma Alemanha totalmente diferente. Criativa, selvagem, não domesticada. Nina era tão autoconfiante. Todos a achavam legal.” E Heidi? “Uma pessoa com um coração incrivelmente grande. Nós ainda nos conectamos muito, mesmo tendo pouco contato. Ela me convida todo ano para sua festa de Halloween em Nova Iorque. Mas eu fico em Malibu e brinco de “doces ou travessuras” com meu filho por aí.”
Kiedis se reclina na poltrona, a entrevista está quase no fim. Ele encontrou finalmente uma parceira sólida? Ele balança a cabeça. Mas não chega também para um conhecido Casanova da história do rock a hora de se prender a alguém? “Talvez seja porque eu nunca aprendi a viver em um relacionamento”, diz ele. “E por mais estúpido que pareça: Nunca entendi as mulheres de verdade. Elas permanecem um mistério.” Isso significa que ele vai envelhecer sozinho? “Conversei sobre essa pergunta com um amigo ontem: Nos concentramos em encontrar uma pessoa que nos convém ou permanecemos solteiros? Sou aberto a ambos. Se a pessoa certa chegar – maravilhoso. Se não, aceito o que o Universo planejou para mim.”
Fonte: Stern
Tradução: Ana Beatriz Barata