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Entrevista com Anthony Kiedis para a revista Citizens Of Humanity

Além de ilustrar a capa da edição nº 08 da revista Citizens Of Humanity, Anthony Kiedis concedeu uma entrevista onde fala sobre paternidade, vícios e como se manter relevante. Confira abaixo a tradução e as fotos da matéria:

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HUMANITY: O Red Hot Chili Peppers, o seu som, seu estilo – tudo é muito L.A. (Los Angeles). O que significa ser um nativo de L.A.? O que você ama sobre L.A.?ANTHONY KIEDIS: Bem, depende da sua definição de nativo. Eu nasci no estado de Michigan e escolhi L.A. como minha cidade aos 11 anos de idade. Depois de vir para cá para visitar meu pai no final dos anos 60 e começo dos anos 70, eu meio que pesei as experiências culturais entre o Meio Oeste e a Costa Oeste. Eu estava realmente encantado. Los Angeles colocou um feitiço em mim quando eu era criança com sua energia, e eu acho que ela faz isso com as pessoas. Há algo sobre o deserto, a eletricidade, os coqueiros – apenas a promessa de que qualquer coisa é possível. Isso me atingiu como uma tonelada de tijolos, e em 1973 eu me mudei para L.A., que era um animal completamente diferente naquela época se comparando com 2015. Mas há aquela linha que não se perdeu, ou seja, esse é o lugar onde você vem para explorar os seus sonhos. Se eles irão ou não se tornar realidade, se você falhar miseravelmente ou outra coisa acontecer no meio, ou se você achar outro sonho que você nem sabia que estava esperando por você, aquela linha ainda se mantém. Eu dou crédito para a vibe encantadora desse lugar, para a natureza inerente de Los Angeles e seus vales, suas montanhas, seu deserto e seus coiotes. É meio que uma trapaça mágica.

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HUMANITY: O que você acha que mudou? Do que você sente falta?
AK: As coisas que sinto falta são meio que de um tipo energético e elas tem a ver com coisas se movendo em um ritmo diferente, onde você pode prestar mais atenção aos seus próprios pensamentos e nas coisas que estão acontecendo ao seu redor. Quando eu vim aqui pela primeira vez, era mais devagar e mais psicodélico. A atmosfera, o ar, as ruas, a caminhada, o skate, as cores, a moda, a música – tudo se moveu em um ritmo onde você poderia meio que absorver, comtemplar e criar. Era mais natural, uma interação orgânica com você mesmo e as coisas ao seu redor.

HUMANITY: Quais tem sido as lições com a paternidade?
AK: Whoa! Eu estou no meio desse livro, mais coisas ainda serão reveladas, mas…Eu acho que uma coisa que me ensinou, é que eu não sabia o que era amor antes de ter um filho. Eu era apaixonado por várias coisas diferentes, mas eu nunca soube como era o mais profundo, sacrificante, incondicional e eterno amor. Eu faço qualquer coisa, dou qualquer coisa para a melhoria da experiência dele. Também me ensinou a me importar menos comigo e mais com outra pessoa. As lições contínuas são coisas como paciência, e em como não ser julgador e cheio de expectativas, como: ‘oh, eu quero que ele seja assim’, ou eu quero que ele seja desse ou daquele jeito. Você meio que tem que ver aonde ele está indo e ajudar ele com isso. É muito hilário, porque nós crescemos do outro lado dessa dinâmica, nos perguntando porque nosso pais se preocupam com tudo o tempo todo – ‘por que eles são tão sensíveis e se preocupam tanto? ’. Aí você se torna pai e entende.

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HUMANITY: Quando um pai possui o tipo de sucesso que você tem, isso pode acarretar em muita pressão. Como você faz para não deixar o seu sucesso ofuscar ele?
AK: Essa é uma ótima pergunta. Eu acho que tem a ver com o jeito que você age perto do seu filho. Eu tento mostrar para ele todos os lados da vida e deixar ele saber da aonde eu venho. Desde o início eu falo para ele que tudo que ele quiser na vida, ele tem que merecer, porque se eu der para ele não vai ter significado nenhum. E eu acho, mesmo ele só tendo 8 anos de idade, que aos poucos ele está começando a entender que para ter o que quer, tem que trabalhar, trabalhar para sua experiência, para aproveitar e apreciar e se sentir consumado e realizar os seus sonhos. Eu nunca quis ser um desses pais que mimam seus filhos. Isso não permite que meu filho tenha seus próprios julgamentos, tribulações, falhas, experimentos e jornadas. Eu tenho que providenciar isso. Também acho que sou sortudo, porque ele tem muita personalidade, como quando eu tento que ele faça o que eu quero e ele diz: ‘pai, isso é coisa sua. Não é para mim. Eu quero fazer as minhas coisas’. Por enquanto ele não sente pressão. É muito injusto quando crianças acham que tem que fazer alguma coisa. Eles não tem que fazer porra nenhuma, eles só têm que viver a vida deles.

HUMANITY: Você tem sido muito aberto sobre suas batalhas contra os vícios, e presumidamente, vício é hereditário. Te assusta em saber que essa pode ser uma batalha para o Everly?
AK: Isso passa pela minha cabeça de tempos em tempos, mas não é uma daquelas persistentes preocupações estranhas que eu tenho. De vez em quando eu vejo crianças lutando contra o vício, e eu sei que seus pais também lutaram contra o vício, e seria interessante ver onde o Everly iria com isso. Mas não acho que seja garantido que uma criança tenha esse gene em particular. É meio que uma questão de sorte. Ele escolheu uma combinação tão bizarra dos genes da sua mãe com os genes de seu pai, que eu acho que as chances são meio a meio se ele vai lidar com o vício. Eu acho que ele vai crescer em um mundo onde ele não estará cercado por comportamentos viciosos ou comportamentos disfuncionais causados pelo vício, então, eu espero que ele tenha uma base emocional forte, uma família sólida e uma base emocional para onde ele possa voltar. Se acontecer, será difícil, mas como muitas pontes, eu irei cruzá-la quando chegar nela.

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HUMANITY: É muito bem documentado o relacionamento que você teve com seu pai, e ao que você foi exposto quando era mais novo. Quais foram as lições que você aprendeu que está aplicando no seu relacionamento com seu filho? E pelo outro lado, o relacionamento que você teve com a sua mãe definitivamente foi mais tradicional. Fale sobre esse equilíbrio, e o que você aprendeu com eles que está aplicando na paternidade.
Ak: Eu sou uma pessoa muito diferente nesse ponto da minha vida do que o meu pai era quando ele estava me criando, mas ainda há toneladas de similaridades. Por exemplo, eu sou pai solteiro, então é apenas meu filho e eu vivendo sob o mesmo teto. No entanto, ele estava muito envolvido em seu estilo de vida quando eu era jovem e impressionável. Ele tinha interesses criativos, mas eu acho que é sobre o que não compartilhar com um jovem. Ele não estava disposto a ir mais devagar e contemplar o quão frágil um coração jovem pode ser. Foi muita coisa e muito cedo. A criação do meu filho é loucamente diferente. Nós não vivemos na cidade, acordamos perto do oceano, nós fazemos lição de casa juntos pelas manhãs, nos exercitamos juntos, fazemos longas caminhadas juntos. É uma experiência totalmente diferente comparada com a minha infância. E meu filho parece amar isso. Ele se desenvolve com isso – se desenvolve com o ar fresco, o oceano, as árvores e com todas essas coisas que eu não cresci por perto. Eu sempre pensei que ele gostaria de ter um lugar na cidade, e ele disse: “por que eu teria? É tão incrível aqui! ’. Eu ainda apresento coisas para ele que meu pai me apresentou, mas vivemos a vida segura que minha mãe me ofereceu. Em retrospecto, pelo lado da minha mãe, ela ia trabalhar todos os dias da vida dela. Ela é tão junta e ela me inspira. Ela viaja o mundo e toma conta de seus entes queridos, enquanto meu pai era hippie, espírito livre, do tipo ‘talvez eu trabalhe talvez não’, mas foi parte de grandes experiências. E o meu padrasto foi provavelmente a pessoa mais honesta e bondosa que eu já conheci. Ele morreu muito jovem, mas sua influência em minha família é visível todos os dias. Então acho que estou tentando dar ao Everly um combinado dos dois.

HUMANITY: O que você acha que fez diferença dessa vez – o que a sobriedade mudou em você?
AK: Tem sido uma jornada complicada para mim. Assim que eu fui apresentado ao conceito de ficar livre do vício, eu amei isso, porque eu fiz isso usando coisas para morrer, então quando me foi oferecido uma solução, eu me joguei nisso anos atrás. Mas você sabe, isso leva trabalho e dedicação, e depois de 5 anos eu tive uma recaída, e fiquei nessas de sair e voltar pelos próximos 5 anos, e isso é foda. Então quando finalmente eu parei em 2000, eu amei ficar sóbrio, então abracei isso e percebi que tinha que fazer as coisas diferentes do que fiz naquela época. Eu fiz pequenos ajustes e tentei me cercar de pessoas com o mesmo pensamento. Tenho constantes lembretes que quanto mais energia eu colocar nisso, eu vou receber 100 vezes mais de volta.

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HUMANITY: Você disse algo que eu fiquei pensando, que na primeira vez que foi para a reabilitação, você viu pessoas que pareciam diferentes por fora para você, mas que você podia ver você mesmo em cada uma delas. E isso ajudou em encontrar compaixão – é uma ideia simples, ter compaixão pelos outros, mas uma prática rara.
AK: Minha habilidade em sentir compaixão vai e volta. Pode haver uma parte do dia onde alguém vai passar por mim no PCH e eu diga: ‘eu vou ensinar uma lição a eles’. Algo idiota e caótico assim. Ou posso desacelerar um pouco, pois não sei pelo que aquela pessoa está passando. Se você fingir que as pessoas são membros da sua família, você nem pensa coisas como ‘eu vou te pegar’. É sobre checar você mesmo e desacelerar um pouco. Eu vou a reuniões, onde eu posso me acalmar e ouvir as histórias das outras pessoas. Talvez uma menina de 21 anos de idade que passou os últimos dois anos de sua vida injetando drogas e está em um completo inferno, se perdeu completamente e há uma semana ela está limpa, em uma reunião falando como não está conseguindo encontrar uma veia em seu pescoço. E eu penso que eu lembro desse desespero. Isso não é bom. Eu agora me sinto conectado com essa pessoa, porque eu vejo e sinto esse sofrimento no fato de vislumbrar que eu não tenho que viver mais assim hoje. Então minha vida meio que depende em aparecer nessas reuniões, escutar as experiências dessas pessoas, e talvez isso me dê a oportunidade de realmente sentir compaixão. Isso funciona.

HUMANITY: Como o seu processo criativo mudou ao longo dos anos?
AK: É bastante similar em várias maneiras. Há muitas etapas diferentes que tenho que tentar e estar aberto no processo criativo. Nós fazemos ensaios com a banda e improvisos – eu escuto e meio que me perco e encontro melodia e ritmo no momento. Há também o processo de composição, onde os caras me dão uma gravação instrumental e eu tenho que sentar com essa música. Há também a parte onde você está sentado no seu carro e tem uma ideia, aí você tem que parar e trabalhar nessa ideia porque senão ela pode nunca mais voltar. Você está em um avião, ou um trem, qualquer coisa – quando você sentir aquela pequena nuvem se movendo por você, que contém energia e algumas ideias. Uma coisa que aprendi é agarrar isso, porque você pode dizer: ‘Oh, eu lembro disso! ’. Às vezes eu estou esperando uma onda chegar e eu tenho uma grande ideia, ou uma ideia medíocre, ou talvez algumas melodias, eu sento na prancha e tento cantar várias vezes para não esquecer. Aí quando eu entro no carro, pego o telefone e gravo isso. Essa parte mudou, poder gravar tudo no seu celular é diferente de como era há 25 anos, quando você tinha que ter um pequeno gravador com você em todos os lugares. Eu sou um escritor matinal – eu levanto cedo, limpo a casa, pego meu notebook, meu lápis, meus cds, meu boom box, sento e começo a escrever. Eu acho que quanto mais regrado eu posso ser em me dedicar algumas horas de trabalho por dia, mais benefícios eu consigo colher em escrever boas músicas. É como um pintor que se força a pintar todos os dias, apenas esperando que esse pode ser o dia em que vai acontecer. Eu acredito que para ser bom você tem que trabalhar duro. É a mesma coisa com o Flea, ele pratica constantemente. Ele toca baixo a vida inteira, mas ele só é bom porque pratica todos os dias.

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HUMANITY: Você já se sentiu pressionado por estar envelhecendo e mesmo assim ser um músico relevante?
AK: Pressão não. Consciente de que é difícil se manter relevante, sim. Estou super ciente disso. Nós não temos aquela pressão em ser a próxima coisa legal do momento, porque nunca seremos a próxima coisa legal. Já fizemos isso. Eu presto atenção nos meus compositores favoritos, e eles são bem mais inteligentes e bem melhores do que eu jamais serei. Você sabe, como Paul McCartney, Neil Young, Randy Newman, eles são cantores e compositores fenomenais e talentosos. No entanto, nenhum deles criaram grandes coisas em seus anos mais velhos, se comparado com o que eles fizeram em seus 20, 30 anos. E eu sempre me perguntei, ‘por que? ’. Eles ainda são talentosos, ainda são inteligentes, eles ainda estão apaixonados por música, eles nunca desistiram, mas não estão compondo músicas que nem antes. E seus shows ainda são incríveis. Eu acho que é um ciclo – é quase impossível escrever músicas que arrasem e toquem os corações das pessoas do mesmo jeito que você já fez. Uma vez que pode comprar uma casa, outra casa ali e outra lá, é aquela fina linha do conforto mudando você. Você olha para o estilo de vida de todas essas pessoas quando elas escreviam músicas que você e eu cantaríamos enquanto dirigíamos nossos carros, e eles não estavam tão estáveis. Como você se mantém ótimo, relevante, interessante e bom do mesmo jeito que você era quando você já está estável e tem outras responsabilidades e distrações? É difícil. Mas me dá esperanças quando eu escuto uma música do Paul McCartney que ele fez nos últimos anos que me lembra quem ele realmente é por dentro. Não que ele tenha algo a provar – ele já deu para o mundo mais músicas boas do que qualquer outra pessoa, mas me deixa feliz em perceber que ele ainda é capaz disso.

HUMANITY: Deve ser uma coisa difícil se manter humilde e com os pés no chão. Eu li no seu livro sobre a importância de ir nas reuniões do AA e empilhar cadeiras – me surpreende saber que você faz isso…
AK: Humilde e pés no chão em alguns dias, e em outros arrogante e com a cabeça nas alturas. O empilhamento de cadeiras é mais significativo, mais poderoso, mais relevante, e mais salvador do que você imagina. Eu estou rindo porque meu comprometimento é empilhar cadeiras, e eu não consigo dizer a satisfação que eu consigo com essas cadeiras – é o meu objetivo para essa noite, me certificar que essas cadeiras estão empilhadas. É sobre estar em serviço, ser um dos lobos na matilha. É estar presente para mim mesmo e para os outros. É um trabalho em progresso. Eu tenho bons dias onde estou conectado com a minha humildade e isso é muito bom, e eu tenho outros dias onde eu não consigo achar a minha humildade e eu ando por aí esperando que o mundo caia aos meus pés. E isso não é divertido.

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HUMANITY: Você tem um mantra?
AK: Eu me apoio fortemente no desejo de ser uma boa pessoa. E eu tenho que trabalhar nisso, porque eu posso ser confrontável, e posso ser cheio de mim, mas eu tenho a suspeita de que no final, quando todo mundo para, o degrau da sua bondade será o que vai transformar sua próxima experiência. É isso que eu gosto de alcançar com meu ativo e silencioso mantra.

HUMANITY: O que é felicidade para você?
AK: Eu encontro felicidade nas coisas mais simples e pequenas. Não tem nada a ver com grandiosidade, mas tudo a ver com simplicidade. Por exemplo, segurar meu filho essa manhã – não há nada melhor do que isso. Essa é minha felicidade. Assistir o nascer do sol, essa é minha felicidade. Estar na minha prancha de surf, tocando a superfície do oceano, essa é minha felicidade. Ligar para o meu pai, ouvir sua voz no telefone, ficar animado por ligar para ele, essa é minha felicidade. Ler um livro para o meu filho no jantar, essa é minha felicidade. É meio que todos os lugares, ao meu redor, se eu estiver bem comigo mesmo. Se eu não estiver bem comigo mesmo, eu não vou encontrar eu nenhum lugar.

HUMANITY: Pelo que você é mais agradecido?
AK: Pelo o que sou agradecido? Tudo. Tudo é um presente, tudo está acontecendo por uma razão e sou agradecido por tudo isso. Eu reclamo sobre: eu fiquei doente duas semanas atrás, e eu nunca fico doente. Eu estava tão puto – eu não podia surfar, eu não podia cantar, eu estava dolorido. Mas agora estou agradecido por ter duas semanas de folga para pensar sobre isso. Duas semanas para não correr por aí como uma galinha sem cabeça. Eu desacelerei, descansei, fiquei em casa com o Everly, trabalhei em algumas letras. Em retrospecto, talvez eu precisasse ficar doente. Sou agradecido por tudo.

Créditos: Citizens Of Humanity
Tradução: Amanda Olivieri

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